Na última terça-feira, 18/08, nosso pároco ofereceu por live na página de nossa paróquia na rede social Facebook, uma formação aos paroquianos.
Clique AQUI e confira a live. |
Eis o texto preparado pelo nosso pároco e que foi apresentado na live:
Formação ético-pastoral
e espiritual
Preâmbulo
A
Igreja evangeliza por “atração” e não é proselitista. Numa sociedade pós-cristã
em que a verdade se confunde com opinião, subjetivismo e relativismo; como
apresentar a fé e os valores da Palavra de Deus aos que buscam na Igreja uma
resposta aos seus dramas, angústias, dúvidas e incertezas; numa sociedade em “crise”
que comporta risco, mas também possibilidade de crescimento e superação das
dificuldades. Como acolher os casais em segunda união, os de “união estável”
sem o sacramento, os divorciados, os “padrinhos” em situação irregulares, de outras
religiões que pedem o Batismo, mas não permanecem. As pessoas sem instrução que
pedem o sacramento. Enfim como atingir os afastados.
I – Fundamentação
Conceito
de Misericórdia e ética (Havia na entrada da Casa Paroquial uma placa com os
dizeres: “Sede misericordiosos como o Pai”).
HESED
(Hebraico): Significa misericórdia. Bondade, benignidade, graça, solidariedade,
compaixão (não pena): colocar-se no lugar do outro, justiça, caridade. Ter
piedade, entranhas, miséri: miserável e Cordi: coração; Fidelidade. A essência
da salvação, aliança de Deus com seu povo. Perdão, condescendência.
Na
visão neotestamentária a misericórdia divina que abraça, é o doar-se de Deus
que acolhe, que se dedica a perdoar. Jesus disse que não veio para os justos,
mas para os pecadores. Não veio para os sadios, mas para os doentes:
“Misericórdia que eu quero e não sacrifícios (Mt 9, 10-13)”. A Misericórdia é o
ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. É o caminho que une
Deus aos homens por sermos amados por Ele (Misericordiae Vultus, p.9).
Misericórdia é sinônimo de compaixão que significa sentir com. É diferente de
‘ter pena’ que se comove, mas não faz nada pelo outro.
Enquanto
a experiência ética e moral nasce com o ser humano por ser racional e livre que
acontece numa cultura com seus valores e costumes. Daí a origem da moralidade
no homem que não vem dada somente de fora mas de dentro dele mesmo como sujeito
da moral. À luz da fé o Evangelho de Cristo é o referencial do agir ético e moral
do cristão em vista de seu fim último que é Deus. A Igreja no Concílio Vaticano
II admitiu uma moral mais da pessoa que aje de acordo com a sua consciência – o
núcleo secreto da pessoa, a voz de Deus - que mesmo quando erra, não perde a sua
dignidade (GS 16), a lei escrita no coração que ordena amar a Deus e ao
próximo.
1. A experiência da misericórdia
e da moral no Antigo Testamento
Nas
Sagradas Escrituras Deus se revela como Pai bondoso e misericordioso para com a
pessoa que o busca de coração contrito e humilhado (Sl 50). Muito embora Deus às
vezes pareça exigente e punitivo para com os de coração duro e pecadores como
nos relata o livro do Gênesis, a cidade corrompida pelo pecado, Deus quer destruí-la,
mas Abraão intercede a Deus em favor do povo e Ele se compadece e volta atrás (Gn
18, 16-33). Isto nos mostra que Deus é paciente e misericordioso por natureza.
O fato de Ele ser misericordioso encontra um reflexo em muitas ações na
história da salvação, onde sua bondade prevalece sobre o castigo e a
destruição. Os Salmos como já se acenou fazem sobressair a grandeza do agir
divino: “Ele perdoa as culpas e cura as doenças...”(Sl 103(102), 3-4). Além
disso, a misericórdia de Deus é eterna (Sl 136) e se realiza em Jesus Cristo ao
rezar os salmos com seus discípulos antes de sua paixão.
Já
a experiência moral bíblica se dá pela fé obediente a Deus e aos seus
mandamentos e num apelo de conversão e fidelidade. O homem e a mulher obras de
sua criação são frágeis e dependentes de seu Criador, embora seja o centro da
criação divina (Sl 8). É uma moral da aliança que Deus fez com os seres humanos
cuja vocação é o chamado à santidade, apesar de pecadores são alcançados pela
misericórdia divina. Esta não exclui a verdade e a justiça: “antes de tudo,
temos de dizer que a misericórdia é a plenitude da justiça e a manifestação
mais luminosa da verdade de Deus”, é a chave do Céu (GE, 52-53).
2. A misericórdia no
Novo Testamento
O
Evangelho nos apresenta Jesus Cristo como o rosto da misericórdia expresso nestas
palavras: Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em
Jesus de Nazaré. O Pai rico em misericórdia (Ef 2,4), depois de ter revelado o
seu nome a Moisés como Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em
bondade e fiel (Ex 34, 6), não cessou de dar a conhecer a sua natureza divina.
Com
o olhar fixo em Jesus e no seu rosto misericordioso, podemos individuar o amor
da Trindade Divina. A missão de Jesus Cristo foi manifestar em seu agir e em sua
pessoa a misericórdia do Pai. Jesus é compassivo e sensível ao ser humano que
sofre e por isso curas aos doentes e feridos em seu caminho. Na ternura do Pai
sabe acolher e perdoar os pecadores. O encontro com Jesus traz vida pela fé
nele e por isso realiza milagres. Diante dele o homem se liberta do mal na
expulsão dos demônios. O Reino de Deus revelado aos simples através das
parábolas. Para S. Lucas Jesus passou a
vida fazendo o bem ao povo (Lc 15). Sua vida se faz dom de amor e entrega ao
Pai e à humanidade pela sua morte e
ressurreição.
Esta, a morte e a ressurreição de Jesus, constitui
o novo “ethos” moral e ético, em especial as Bem-Aventuranças (Mt 5). Não se começa a ser cristão por uma ética,
mas pelo encontro com a pessoa de Jesus Cristo. Ele ao eleger os doze Apóstolos
tinha em mente dar continuidade a sua missão através deles em sua Igreja,
sacramento de salvação.
II – A Igreja
Sacramento de Salvação
A
palavra Sacramento vem de Mistério. Eles são sinais eficazes da graça Deus
quando a pessoa se abre a Ele pela fé. Jesus instituiu os sete
Sacramentos antes da Páscoa na Santa Ceia ao instituir a Eucaristia e o novo
sacerdócio (Mt 26, 20-29). Após a Páscoa soprou sobre os Apóstolos o Espírito
Santo para perdoarem os pecados(Jo 20, 19-23). A Igreja realiza a santificação
dos fiéis pelos sacramentos na pessoa do ministro ordenado que “age na pessoa
de Cristo”. Os Sacramentos acompanham a vida da pessoa do nascer ao morrer
mediante a graça de Deus. S. Agostinho já dizia que a graça supõe a natureza.
Ou seja, a pessoa deve cooperar com a graça de Deus. Ele quer salvar a todos,
contudo “aquele que te criou não te salvará sem a tua participação” (S. Agostinho).
A
Igreja como sacramento de salvação, mostra o seu rosto materno, o seu rosto de
mãe à humanidade ferida. Não espera que os feridos batam à sua porta, vai à
procura deles pela rua, acolhe, abraça, cuida e faz com que se sintam amados.
Isto é o que se chama de Kairós, o tempo da visita de Deus ao seu povo. É neste
horizonte que S. João XXIII disse que a “Esposa de Cristo prefere usar o
remédio da misericórdia em vez de empunhar as armas do rigor”. Muitas vezes a
Igreja foi acusada de faltar com a caridade com pessoas que cometeram erros,
falhas, agindo sem misericórdia.
Será
que atualmente não acontece a mesma coisa em certas posturas da volta a grande
disciplina para sanar os problemas internos da Igreja como intentam alguns
padres e teólogos. Diante de casos de pessoas que não se pode absolver, dar
conforto, esperança e uma bênção. Aos que não podem comungar uma oração de
acolhida como de certa forma já se faz nalgumas liturgias. Até por que como diz
o Papa que as pessoas que não podem receber o sacramento, têm o amor de Deus (FRANCISCO,
o nome de Deus é misericórdia, p.47). Conhecer a situação, a história da
pessoa, seus dramas e angústias é imprescindível no agir pastoral.
IV – Situações existenciais
em que a pessoa humana se encontra e busca uma resposta
A
pessoa humana não nasce perfeita, é um ser inacabado. Vai se formando ao longo
da vida com a aprendizagem que vai adquirindo no contato com os objetos e o
meio em que vive. O ser humano sendo desejo aspira a felicidade que não se encontra
propriamente nas coisas, mas em Deus. O homem sendo ele e suas circunstâncias
como definiu Ortega, ao lidar com sua liberdade muitas vezes faz escolhas e
opções não acertadas na vida adiando essa felicidade ou “se frustrando” em suas
escolhas mal feitas. Esse dado antropológico se deve ter presente ao se propor
fazer um discernimento pastoral das pessoas que se nos apresentam em busca de
uma razão para a sua vida. A pessoa humana
que “se desviou do caminho, da verdade da fé e da moral”, merece uma nova
oportunidade. Se ela não encontra ninguém que a escute, vai a outros lugares e
não volta mais como ocorre com a evasão de muitos que migram para as outras
Igrejas.
Hoje
cada vez mais cresce a procura de pessoas pela ‘autoajuda’ diante de questões
existências humanas e espirituais que as atinge. Atualmente se diz que a
depressão é o mal do século. Daí os consultórios de psicologia e psiquiatria,
templos religiosos, cultos exotéricos, livros de autoajuda são muito procurados.
A Igreja Católica nem sempre tem sido procurada nesses casos, a não ser para as
‘missas de cura e libertação’ do movimento da renovação carismática católica que
vem crescendo a busca por curas e ouvir a Palavra. Até porque ‘cuidar do corpo
e dos afetos’ se tornou mais importante do que cuidar da alma. Preocupações com
a vida eterna e a alma não estão em alta assim como se imagina. Houve um tempo
que a Igreja ensinava ‘salvar a alma’ com desprezo ao corpo (Platão), visão
superada para uma salvação da pessoa humana integral na visão bíblica e
teológica. A teologia movimenta-se para o ‘alto' e para o ‘profundo’ da vida
para perceber o dom gratuito de Deus doador de sentido e de significado último
para a humanidade e para o cosmo. A Palavra de Deus é a fonte dessa
espiritualidade que pela fé nos revela um Deus parceiro da pessoa humana que
fez alianças com ele e mostrou-se misericordioso e fiel às suas promessas.
VI – A espiritualidade
do Discípulo-Missionário
A
Igreja diante dos desafios de uma cultura urbana e plural reconhece a presença
de Deus na cidade e no campo. Em sua missão de anunciar o Reino a Igreja se
dispõe a formar seguidores, discípulos missionários de Cristo. Ele quer salvar
a todos e conta com colaboradores (as) nessa missão pela fé, o testemunho e
disposição para o serviço do Evangelho de orientação e Iniciação à Vida Cristã.
Deste modo a Igreja poderá ajudar as pessoas em situações que clama por misericórdia
e sentido de vida. Isso se fará levando a pessoa humana ao encontro com Jesus
Cristo pela oração e escuta da leitura orante da Palavra de Deus, luz para os
nossos passos.
A
Palavra espiritualidade parece mais coisa de padre e freira; mas não, é dos
leigos também que gostam de rezar. Por espiritualidade se entende a forma de
viver segundo o Espírito de Jesus. Não é somente pensar ou falar sobre Deus,
mas falar a Deus, entrar em comunhão com Ele, aceitá-Lo em todo o nosso ser e
vivê-Lo no cotidiano da nossa vida. Essa é a espiritualidade imprescindível
para o tempo em que se vive como insiste a Igreja ao afirmar: “recomeçar a
partir de Jesus Cristo’, acolhendo-o com o mesmo fascínio que transformou
pescadores, cobradores de impostos e até um perseguidor em
discípulos-missionários. Contudo, isso requer uma vida de oração – “falar com
Deus”, ultrapassando o puro mergulho para dentro de si mesmo ou a negociação de
benefício com Deus. Rezar é colocar-se gratuitamente ainda que de modo limitado
e parcial, diante daquele que, de modo
absoluto radical, é amor gratuito, doação de si mesmo. É preciso orar como
Jesus orava: agradecendo, suplicando, intercedendo, louvando, pedindo e
contemplando. Uma oração que revela fé e compromisso, mas também medo e
angústia. Mas sobretudo uma oração que revela grande confiança no Pai;
colocando-nos em sintonia com Deus. Impressionou-me o depoimento de um homem na
televisão ao ser entrevistado se ele não tinha medo da COVID-19. Ao repórter
respondeu que não pois tinha fé em Deus. A Fé não nos isenta da doença, da dor
e do sofrimento, apenas dá sentido e força para vencê-la. A Fé comporta cruz
nos lembra o Papa Francisco. Cruz que não é derrota, mas Páscoa.
V – Perspectivas
pastorais
O
mesmo Papa Francisco conclamou a Igreja a uma “conversão pastoral”, ao discipulado
de Cristo e a missão. Neste sentido ela, a Igreja, deve “escancarar” suas
portas para acolher aqueles que a procuram. Até porque quem vem à Igreja “tem
alguma fé”. Especialmente as pessoas marcadas pelo sofrimento, o abandono e a
falta de sentido na vida ainda mais em tempos de crises como os atuais. Nunca se pode impor limites, impedimentos ou
ser “paredões” para as pessoas em nome de leis canônicas interpretadas fora de
contexto, à margem do Evangelho e do Magistério da Igreja, guardião e intérprete
da Palavra. Mesmo que a norma suprema é sempre o Evangelho de Cristo em sua
Igreja, Sacramento de Salvação. “A Igreja de Cristo deveria alimentar o seu
rebanho com o leite e nunca com a rigidez (Francisco)”, resposta do santo padre
ao ser indagado por que muitas pessoas deixam a Igreja Católica pelos
evangélicos.
Acerca
dos “casais em segunda união” o Papa Francisco pediu aos bispos que evitassem a
burocracia e custos; e acolhessem essas pessoas na Igreja indicando pessoas
qualificadas para o devido acompanhamento para serem reintegradas a comunhão
sacramental. Em nossa Diocese se deve acolher padrinho e madrinha que embora
não esteja no seu primeiro matrimônio, mas tem uma vida exemplar na comunidade
pelo seu testemunho de fé e de serviço à Igreja. Ir em busca das pessoas
afastadas seria também uma boa causa e prática de misericórdia como manda o
Senhor.
No
que toca as questões éticas e morais, ‘o povo piauiense’ pensa de certa forma
afinado com a Igreja: “A ética é a ótica da visão de Deus”. A Igreja não vai na
onda dos que relativizam valores perenes da vida no arco da existência do
“conceber ao morrer natural”. Daí ela ser contrária ao aborto e tudo quanto
atenta contra a dignidade da pessoa humana. A pesquisa sobre a religiosidade do
piauiense mostrou isso. Constatou o pouco apreço ao “amor social” dos católicos
– falta motivação para a Romaria da Terra e outras. Desconhece-se a Doutrina
Social da Igreja e a importância da cidadania à luz da fé e do projeto de Deus quer
vida plena para todos (Jo 10, 10).
Bibliografia
Sagrada
Escritura, Edição CNBB
Concílio
Vaticano II: Constituição pastoral Gaudium et Spès, 16.
Francisco.
Deus não se cansa de perdoar. Mensagens de misericórdia. Editora Ave Maria,
2013.
______.
Exortação Apostólica Evangelium Gaudium. A Alegria do Evangelho.
______.
Misericordiae Vultus. Bula de Proclamação do Jubileu extraordinário da
misericórdia, Edições CNBB, 2015.
______.
Amoris Laetitia. Sobre a família.
______.
O nome de Deus é misericórdia. Uma conversa com Andrea Tornielli, Editora
Planeta, S. Paulo, 2016.
______.
Exortação apostólica Gaudete et Exultate. Sobre o chamado à Santidade no mundo
atual, Editora Nova Aliança, Paulus, S. Paulo, 2018.
CELAM.
Documento de Aparecida, 2007.
CNBB.
Doc. 100 sobre Igreja: Comunidade de Comunidades.
Israel
José Nery, fsc. Misericórdia: Essência da vida cristã, Edições Paulinas, 2016.
Fr.
Ademildo Gomes. A Catequese e Moral
cristã, Paulus, S. Paulo.
Alfonso
García Rubio, Joel Portella(Organizadores). Espiritualidade cristã em tempos de
mudança. Contribuições teológico-pastorais, Editora Vozes, Petrópolis, Rj,
2009.
Edgar
Morin, Patrick Viveret. Como viver em tempo de crise ? Editora Bertrand Brasil,
Rio, 2013.
José
Carlos Pereira, Pastoral da Acolhida. Guia de Implantação, formação e atuação
dos agentes, Edições Paulinas, S. Paulo, 2010.
Kátia
M, Sílvia R. D. Pedro B. Guimarães. Catolicismo e Experiência Religiosa no
Piauí. Pesquisa com a População, CERIS,
S. Paulo, 2005, PP. 196-197.
Pe. José Carvalho de Siqueira,
Pároco da Paróquia Santo Antônio de Sant'Anna Galvão (Parnaíba-PI)
Pároco da Paróquia Santo Antônio de Sant'Anna Galvão (Parnaíba-PI)
Nenhum comentário:
Postar um comentário